Intervenção de
Ermelinda Toscano no Encontro que a imagem identifica.
«…Em 1989, a revisão da
Constituição retira os Governadores Civis das Assembleias Distritais e a
reforma concretiza-se com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de
janeiro. Um regime jurídico que, no entanto, trouxe mais problemas do que
soluções porque se, por um lado, o legislador atribui às Assembleias Distritais
personalidade jurídica e capacidade judicial e lhes confere autonomia
administrativa e patrimonial própria, por outro lado, ao deixá-las com uma
estrutura orgânica indefinida (onde não há a clara separação entre funções
deliberativas e executivas), esvaziá-las das atribuições mais relevantes,
deixar-lhes escassas competências, impedi-las de serem comparticipadas via
Orçamento do Estado e proibi-las de contraírem empréstimos, transforma-as num
verdadeiro anacronismo da Administração Pública que nem a tutela sabe como
classificar, embora as equipare a autarquias locais.
Contudo, os principais
motivos do desinteresse dos autarcas por estas estruturas (em particular dos
presidentes de câmara) ao longo dos últimos mais de vinte anos foram,
nomeadamente:
a) A importância
crescente das associações de municípios e a facilidade de, através delas,
acederem a fundos comunitários para realização de projetos intermunicipais;
b) A obrigação de
pertencer à Assembleia Distrital;
c) A gratuitidade do
desempenho de funções como membro da Assembleia Distrital;
d) O dever de suportar
os encargos de funcionamento dos Serviços.
Em 1991, na iminência
de perder a gestão do vasto e valioso património predial que a Assembleia
Distrital de Lisboa herdara das suas antecessoras, o Governo Civil cria uma
Comissão (dita dos ex-Serviços) permitindo-lhe continuar a administrar esses
bens (mais de oitocentos prédios: cerca de 200ha de terrenos rústicos, dezenas
de quintas seculares, dois bairros sociais com centenas de frações
habitacionais e vários edifícios de serviços públicos, dois deles no centro de
Lisboa, com nove pisos, caves e estacionamento privativo) e a negociar com a
Junta Autónoma de estradas as avultadas indemnizações (de vários milhões de
euros) pela passagem da CRIL nos terrenos da Pontinha, deixando à Assembleia
Distrital apenas a Biblioteca. O Arquivo e o Museu Etnográfico ficaram também,
sem qualquer justificação, retidos no Governo Civil.
…
Apesar da Assembleia
Distrital ter contestado em Tribunal o despacho do Governo que formalizou
aquele confisco, o estar impedida de aceder ao Arquivo (nomeadamente aos Livros
de Notas do Notário Privativo) e a outros meios de prova adequados (atas e
documentos da contabilidade, por exemplo), fez com que em 1998 o processo
acabasse por transitar em julgado dando-se como válida a passagem para o
Governo Civil de todo aquele vasto património predial cujos registos, mercê das
muitas irregularidades cometidas durante o processo de transferência, nunca foi
possível alterar até ao presente.
…
É neste tipo de
Arquivos, embora muitas vezes secundarizados ou até menosprezados, que
encontramos o substrato da nossa Administração Pública mas, também, os
elementos probatórios necessários em processos judiciais. Eles são peças
essenciais na luta pela prevenção da fraude, contra a corrupção, e a sua
organização, conservação e divulgação tem de merecer mais atenção dos
responsáveis devendo a sua gestão integrada constituir o eixo estruturante de
toda e qualquer política sobre transparência governativa (do Estado e das
autarquias).
Na sequência da entrada
em vigor do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, e como atrás já referimos, a
Assembleia Distrital de Lisboa foi desapossada de todo o seu vasto património
móvel e imóvel, à exceção da Biblioteca dos Serviços de Cultura, em favor do
Governo Civil tendo sido criada uma Comissão específica para gerir esses bens,
visando satisfazer pretensões pessoais do Vice-Governador Civil (Machado
Lourenço), com o aval do Governador Civil (Moura Guedes), o apoio do Secretário
de Estado da Administração Local (Nunes Liberato) e a concordância do Ministro
da Administração Interna (Dias Loureiro) e do 1.º Ministro (Cavaco Silva).
Em resultado de uma
polémica interpretação do citado diploma, a Assembleia Distrital de Lisboa
ficou desprovida de quaisquer rendimentos patrimoniais e viu-se impedida de
aceder a toda a documentação de gestão administrativa corrente dos anos
anteriores. E porquê? Porque o Governo entendeu, por conveniência própria, que
estas entidades (as Assembleias Distritais) tinham sido “extintas” operando-se,
em simultâneo, a “criação” de novas estruturas com a mesma designação mas que
em nada eram herdeiras das anteriores.
Acontece, porém, que
esta inusitada situação apenas aconteceu no Distrito de Lisboa e a respetiva
Assembleia Distrital foi a única das 18 existentes a nível nacional que teve de
iniciar a sua atividade a partir de 1991 como se fosse um organismo sem
passado, acabado de instalar. Estranhamente deixaram-lhe a cargo, contudo,
parte dos Serviços de Cultura (cuja história tinha mais de duas décadas) e
cerca de uma dezena de funcionários afetos ao seu quadro privativo de pessoal.
…
Entretanto, passou-se
mais uma década em que o Distrito de tema indesejado passou a completo tabu e
as Assembleias Distritais ficaram arredadas da discussão política. Até que
apareceu a Lei n.º 36/2014, de 26 de junho, que veio retirar às Assembleias
Distritais capacidade judicial ativa e esvaziá-las de quaisquer atribuições
obrigando-as a providenciar a transferência das suas Universalidades para novas
Entidades Recetoras. Sem estrutura orgânica, impedidas de assegurar serviços, proibidas
de manter trabalhadores e gerir património, transformaram-se em meros órgãos
deliberativos autárquicos sem qualquer utilidade prática para os municípios que
delas se desinteressaram em definitivo, nalguns casos mesmo antes de concluído
o procedimento de transferência das respetivas Universalidades tendo sido o
Estado a encetar os trâmites previstos na lei.
Apesar da Assembleia
Distrital de Lisboa ter deliberado, atempadamente, transferir a sua
Universalidade para o Município da capital, a Câmara Municipal acabou por
rejeitar receber os equipamentos culturais (Arquivo, Biblioteca e Museu)
alegando a sua falta de interesse devido às caraterísticas e ao estado de
conservação dos acervos (uma decisão baseada em falsos pressupostos e não
sustentada tecnicamente como mais tarde se veio a confirmar).
Depois da Área
Metropolitana ter também recusado receber a Universalidade da Assembleia
Distrital, supostamente por razões semelhantes às da Câmara Municipal da
capital, ficamos com a certeza de que para estes autarcas o património
arquivístico, biblioteconómico, editorial e museológico que aqui estava em
causa era um fardo demasiado pesado que apenas seria suportável se tivesse como
contrapartida a entrega do valioso património predial registado em nome da entidade
(avaliado em mais de quarenta milhões de euros) mas que o Estado reclama como
seu por alegadamente ter sido transferido para o Governo Civil em 1991.
Contudo, ao Governo da
época (1991) apenas interessavam os cerca de 200ha de terrenos rústicos que
fragmentou em centenas de lotes urbanos para construção e/ou indústria (embora
se tratasse de loteamentos ilegais não reconhecidos pela autarquia até ao
presente por se tratar de zonas geologicamente instáveis, leitos de cheias e
até áreas classificadas de RAN e REN), como o demonstra o abandono a que votou
o património edificado, sinónimo de uma gestão negligente e até danosa, bem
visível nas imagens que a seguir se apresentam.»
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