Lisboa, 2013. Fotografia de Ermelinda Toscano
«Depois do pretenso desejo de reforçar as competências
das Assembleias Distritais, supor que estas pudessem não fixar quadros de
pessoal e presumir que, desse modo, apenas os órgãos deliberativos se
mantivessem activos, representava uma grave contradição que desvirtuava aquela
pretensão.
Quanto ao problema das receitas próprias e da plena
satisfação dos encargos resultantes da manutenção dos Serviços, aspecto fulcral
que, ainda hoje, continua na base do insucesso das Assembleias Distritais como
entidades que prosseguem fins específicos no interesse da população do
distrito, a possibilidade das Assembleias Distritais poderem vir a receber transferências
do Orçamento de Estado (OE) resolveria a questão da permanente insuficiência de
recursos financeiros, permitindo o pagamento dos compromissos assumidos dentro
dos prazos inicialmente estabelecidos.
Mas, além de não prever qualquer percentagem de
comparticipação, a proposta era omissa quanto aos critérios e formas de aceder
a esse financiamento, conferindo-lhe um acesso duvidoso e incerto, logo, pouco
credível como solução alternativa. E a ênfase colocada nas Câmaras Municipais
como principal fonte de receita fazia antever um futuro quase idêntico ao
presente em que as autarquias continuariam a ser as únicas responsáveis pela
liquidação de todas as despesas de funcionamento das Assembleias Distritais
(pessoal e Serviços), pouco restando, afinal, para ser sustentado com a colaboração
do OE.
Considerando que os Governadores Civis deixaram de
integrar as Assembleias Distritais desde 1991, era intolerável fazer depender
de “informação prestada pelo governador ou vice-governador civil” a futura
transferência de propriedade dos bens móveis e imóveis adstritos aos serviços e
estabelecimentos cujos fins as assembleias deliberassem não continuar a
assegurar. Mesmo sendo uma hipótese meramente indicativa, se atendermos a que a
tutela administrativa das Assembleias Distritais não tem qualquer ligação ao
Ministério da Administração Interna esta exigência apresentava-se, em nossa
opinião, desprovida de sentido.
Depois do
resultado do referendo de 1998, a esperança de solucionar o caso das
Assembleias Distritais com a extinção dos Distritos e a criação das Regiões
Administrativas (que iriam absorver o património, serviços e pessoal daquelas
estruturas distritais) não se concretizou e, paradoxalmente, cresceu a
indiferença dos autarcas em relação àquela entidade que, diga-se em abono da verdade,
nunca fora muito querida em virtude de representar, na opinião de alguns, um “resquício
do passado” que convinha eliminar, aumentando os seus já bastante sérios
problemas.
Ao contrário
do que seria de esperar, poucas ou nenhumas ideias surgiram para, entretanto,
resolver a situação das Assembleias Distritais. À excepção de alguns inócuos
exercícios reflexivos em torno de uma questão que nunca viria a ser seriamente
ponderada como hipótese de solução:
“Fala-se hoje, comummente, na
“distritalização” como conceito operativo e político-administrativo, após a
constatação de que modelo regional não vigoraria no quadro político-partidário
actual. Essa “distritalização” pode, com efeito, e depois de acertos
legislativos, preencher, com êxito, o modelo regional não existente.
A percepção política dos problemas
supramunicipais pode-se, perfeitamente, fazer ao nível do distrito, dotando
este de um carácter eminentemente político, ao contrário do seu carácter
administrativo. A confusão gerada em torno da administração supramunicipal
origina um retalho jurídico-administrativo não consentâneo com o nível de decisão
política mais próximo.” (4)
Nesta sede
de “distritalizar” que se apoderou do PSD, não podemos deixar de citar o
projecto de “relocalização distrital dos Serviços desconcentrados da
Administração central”(5) apresentado em 1999 com base em argumentos
que seriam risíveis não fosse a questão demasiado séria para estas
“brincadeiras legislativas”:
“Não se verificando em muitos
sectores quaisquer razões económicas ou administrativas que obriguem à
existência de circunscrições significativamente mais amplas do que a divisão
básica da Administração local do Estado (distrito), a subsistência daquelas,
após a rejeição da Regionalização, constitui uma deliberada mas insustentável
política funcionalmente centralizadora na Administração Pública. (...)
De seu lado, o Partido Social
Democrata entende responsavelmente ser seu dever, considerando o sentir da
larga maioria dos portugueses em relação à regionalização artificial do País,
criar as condições que promovam a reorganização dos serviços da apenas, a
modelos político-administrativos ultrapassados. O Objectivo do presente
projecto não é assim outro senão o de o Estado, como um todo, se subordinar e
interiorizar a vontade e as aspirações políticas soberanamente manifestadas
pela sociedade portuguesa.
Para o referido desiderato concorre,
em sectores cujos problemas apresentam tão intensa ligação ao quotidiano das
pessoas, o reforço da descentralização funcional dos serviços competentes,
aproximando os seus órgãos de decisão das populações que servem para,
conhecendo melhor a realidade destas, mais eficazmente resolverem os seus problemas.
Este contacto mais íntimo, favorecido pela delimitação distrital de áreas de
competência, é tão mais necessário quanto é certo que os titulares destes
órgãos de decisão são livremente escolhidos pelo Governo, inexistindo,
consequentemente, qualquer intervenção directa dos cidadãos residentes nas
áreas onde aqueles serviços actuam, ou sequer dos seus representantes locais.
(...)
Esta nova aposta nas naturais
potencialidades das cidades capitais de distrito, constitui um justo
reconhecimento da importância que esses centros de vitalidade assumem no
desenvolvimento geral do país, bem como um seguro contributo para a correcção
de assimetrias regionais existentes.
Finalmente, ao recuperar as
circunscrições distritais para a delimitação geográfica das áreas de
intervenção dos serviços da administração central, o presente projecto de lei
dá ainda cumprimento ao princípio programático consagrado no n.º 1 do artigo
267.º da Constituição, que preconiza a estruturação da Administração Pública de
modo a aproximar os serviços às populações, quer funcionalmente quer
geograficamente.”
Perante a
inércia dos autarcas e dos governantes, os trabalhadores das Assembleias
Distritais organizaram, em Novembro de 2000, um plenário nacional e elegeram
uma comissão que, nestes últimos quatros anos, apesar da compreensível
desmotivação da maioria dos seus membros, tem vindo a desenvolver uma intensa
actividade de sensibilização de diversas entidades (Presidência da República,
Provedoria de Justiça, Assembleia da República, membros do Governo, autarcas,
sindicatos, associações profissionais, etc.) para a situação em que se
encontram estas estruturas da nossa Administração Pública Local, tendo chegado
a apresentar a todos os grupos parlamentares uma proposta de alteração do
Decreto-Lei n.º 5/91, de modo a conferir “os indispensáveis meios orgânicos (ou
seja, uma estrutura diárquica semelhante à das autarquias locais com a
existência de um órgão deliberativo e de um órgão executivo), e os mecanismos
de financiamento fundamentais que permitam às Assembleias Distritais
ultrapassar as limitações derivadas da incerteza quanto à cobrança, atempada,
das contribuições dos municípios (isto é, transferências directas do Orçamento
de Estado e possibilidade de recorrer ao crédito para resolver problemas de liquidez
de tesouraria).”(6)
E retomamos
aqui, neste ponto, a velha questão do financiamento das Assembleias Distritais
e que, afinal, é aquela que está na base do seu atribulado quotidiano: assunção
de encargos de forma repartida entre o Estado e os municípios, só pelo Estado,
ou exclusivamente pelos municípios?
Embora o
grupo parlamentar do Partido Social Democrata tenha defendido, em 1998, que as
receitas das Assembleias Distritais deveriam contar com participações do
Orçamento de Estado(7), quando o Partido Comunista Português
sugeriu, em Outubro de 2002, que fosse “inscrita no orçamento [para 2003] do
Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente uma verba a
afectar à actividade das Assembleias Distritais, de montante igual a 50% da
receita arrecadada, no ano anterior, pelos cofres privativos dos respectivos
Governos Civis”, a proposta foi liminarmente rejeitada com os votos contra do
PSD e do Partido Popular, tendo colhido apenas os votos favoráveis dos
proponentes e do Bloco de Esquerda, situação idêntica à verificada no ano
seguinte a quando da aprovação do orçamento para 2004.
Quanto ao
grupo parlamentar do Partido Socialista, apesar de ter garantido à Comissão de
Trabalhadores das Assembleias Distritais (recebida em várias audiências pelo
deputado João Benavente no primeiro semestre de 2002), que era urgente arranjar
uma solução para resolver o problema financeiro daquelas entidades, nunca
assumiu uma posição firme e determinada, clara e frontal, sobre o assunto,
preferindo abster-se em ambas as votações.
Finalmente,
convém recordar que o PCP já tinha proposto, em 2000, que a Lei n.º 42/98, de 6
de Agosto (sobre finanças locais), fosse alterada para inclusão de um artigo
sobre as receitas das Assembleias Distritais, prevendo que as mesmas fossem
dotadas com uma verba transferida, anualmente, do Orçamento de Estado. A
justificação para tal era a de que aquele partido considerava ser desejável e
necessário revitalizá-las, objectivo este que consideravam só concretizável se
o respectivo funcionamento pudesse ser autónomo e sustentado (8).
E o que
pensam os autarcas sobre o futuro das Assembleias Distritais? Certo é que
poucos são os que se interessam pelo seu funcionamento e raros aqueles que
pagam, atempadamente, as suas contribuições. A esmagadora maioria não vai às
reuniões dos respectivos órgãos deliberativos e os que fazem o frete de por lá
aparecer raramente estão disponíveis para discutir questões de fundo,
limitando-se a aprovar, quase “às cegas” planos e orçamentos cujo conteúdo lhes
é indiferente, salvo raras excepções.
A realidade é
crua, mas não vale a pena mascará-la. Atitudes displicentes como aquelas são
sempre condenadas, em teoria. Todavia, na prática, nada se faz para alterar a
situação. Fingindo um interesse que não existe, propõem-se soluções inviáveis
para que ninguém tenha a ousadia de as tomar como preocupações sérias e
apresente as contas do seu incumprimento. Aprovam-se sugestões, porque é
conveniente, mas tudo não passa de “letra morta” à nascença, tal como aconteceu
com as linhas programáticas da Associação Nacional de Municípios Portugueses a
seguir transcritas:
«As Assembleias Distritais, no caso
de persistir a existência dos Distritos, deverão ver reequacionada a forma como
são encaradas, quer pelo Governo, quer pelos seus próprios membros. Significa
isto que deve ser dado relevo ao papel potencial dum órgão iminentemente
político do Distrito, e não raciocinar na base da actual situação de vazio
quase absoluto. Privilegiando um tal papel político, deveriam os bens
patrimoniais existentes, móveis e imóveis, ser entregues aos Municípios onde
aqueles estejam situados ou donde sejam originários.
Neste sentido, sugere-se que passem
a ser designadas por Assembleias de Coordenação Distrital, assumindo
competências iminentemente políticas, nomeadamente proceder ao acompanhamento
da execução do PIDDAC na área respectiva, bem como receber, periodicamente,
informação detalhada dos serviços desconcentrados da administração central
sobre o desenvolvimento das suas actividades no Distrito.
Deverá ainda
ser competência deste órgão proceder ao acompanhamento e avaliação da
concretização das transferências de competências universais e não universais da
administração central para os Municípios e Associações de Municípios, em curso
na área do Distrito» (9).
Repescar a
autarquia distrital, parece ser, na perspectiva de J. P. Baptista Dias(10),
num período transitório até à criação efectiva das regiões administrativas, a
forma ideal de resolver o problema, tendo em consideração a necessidade de
aumentar a eficiência e eficácia do funcionamento dos múltiplos serviços
desconcentrados que operam nesse nível territorial, a tradição no que se refere
à aceitação, globalmente consensual, dos limites geográficos do distrito e a
minimização dos custos de implantação de novos serviços por aproveitamento de
estruturas já existentes.
Segundo
aquele especialista em Administração e Políticas Públicas, a “revitalização dos
Distritos e promoção do associativismo das autarquias distritais”, a quem caberia
a «coordenação das actividades dos municípios», faz todo o sentido após a
rejeição das referendadas regiões administrativas, sendo imprescindível que se
proceda, contudo, à «redefinição das respectivas atribuições e competências»,
entretanto esvaziadas com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 5/91.
Fundamental seria, também, que a eleição dos seus órgãos (deliberativo – a
actual assembleia distrital, e executivo – a futura junta distrital) fosse
efectuada numa «base democrática», presume-se que através de sufrágio directo e
universal.
(4) AVELINO, Alberto, Intervenção no I
Encontro Nacional Distritos 2000 - Pensar o Amanhã, Lisboa, 9 de Novembro
de 2000.
(5) Projecto de Lei n.º 23/VIII – 1.ª sessão legislativa,
25 de Novembro de 1999, da iniciativa do deputado António Capucho e outros.
(6) Proposta de alteração do Decreto-Lei n.º 5/91, de
8 de Janeiro, apresentada pela «Pró Comissão de Trabalhadores das
Assembleias Distritais» aos Grupos Parlamentares da Assembleia da República, em
Julho de 2001.
(7) Alínea d) do artigo 14.º do
Projecto de Lei n.º 560/VII, de 1 de Setembro de 1998, da iniciativa do
deputado Marques Mendes, e outros.
(8) Intervenção do deputado Honório Novo na Assembleia da
República, 3 de Novembro de 2000.
(9) Linhas programáticas para 2002/2004, documento
aprovado no XIII Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses,
realizado em 12 e 13 de Abril de 2002.
(10) «Descentralização Administrativa
e Alternativas à Regionalização», Revista de Administração e Políticas
Públicas, vol. II, n.º 1, 2001.
CONTINUA
Fonte: Descentralização
Administrativa. O paradigma da divisão do território. O que fazer com o
Distrito, de Ermelinda Toscano, Lisboa, 2004.
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