segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Da tradição à revolução: que fazer com o Distrito? Parte 3.

Lisboa, 2013. Fotografia de Ermelinda Toscano

«Depois do pretenso desejo de reforçar as competências das Assembleias Distritais, supor que estas pudessem não fixar quadros de pessoal e presumir que, desse modo, apenas os órgãos deliberativos se mantivessem activos, representava uma grave contradição que desvirtuava aquela pretensão.

Quanto ao problema das receitas próprias e da plena satisfação dos encargos resultantes da manutenção dos Serviços, aspecto fulcral que, ainda hoje, continua na base do insucesso das Assembleias Distritais como entidades que prosseguem fins específicos no interesse da população do distrito, a possibilidade das Assembleias Distritais poderem vir a receber transferências do Orçamento de Estado (OE) resolveria a questão da permanente insuficiência de recursos financeiros, permitindo o pagamento dos compromissos assumidos dentro dos prazos inicialmente estabelecidos.

Mas, além de não prever qualquer percentagem de comparticipação, a proposta era omissa quanto aos critérios e formas de aceder a esse financiamento, conferindo-lhe um acesso duvidoso e incerto, logo, pouco credível como solução alternativa. E a ênfase colocada nas Câmaras Municipais como principal fonte de receita fazia antever um futuro quase idêntico ao presente em que as autarquias continuariam a ser as únicas responsáveis pela liquidação de todas as despesas de funcionamento das Assembleias Distritais (pessoal e Serviços), pouco restando, afinal, para ser sustentado com a colaboração do OE.

Considerando que os Governadores Civis deixaram de integrar as Assembleias Distritais desde 1991, era intolerável fazer depender de “informação prestada pelo governador ou vice-governador civil” a futura transferência de propriedade dos bens móveis e imóveis adstritos aos serviços e estabelecimentos cujos fins as assembleias deliberassem não continuar a assegurar. Mesmo sendo uma hipótese meramente indicativa, se atendermos a que a tutela administrativa das Assembleias Distritais não tem qualquer ligação ao Ministério da Administração Interna esta exigência apresentava-se, em nossa opinião, desprovida de sentido.

Depois do resultado do referendo de 1998, a esperança de solucionar o caso das Assembleias Distritais com a extinção dos Distritos e a criação das Regiões Administrativas (que iriam absorver o património, serviços e pessoal daquelas estruturas distritais) não se concretizou e, paradoxalmente, cresceu a indiferença dos autarcas em relação àquela entidade que, diga-se em abono da verdade, nunca fora muito querida em virtude de representar, na opinião de alguns, um “resquício do passado” que convinha eliminar, aumentando os seus já bastante sérios problemas.

Ao contrário do que seria de esperar, poucas ou nenhumas ideias surgiram para, entretanto, resolver a situação das Assembleias Distritais. À excepção de alguns inócuos exercícios reflexivos em torno de uma questão que nunca viria a ser seriamente ponderada como hipótese de solução:
“Fala-se hoje, comummente, na “distritalização” como conceito operativo e político-administrativo, após a constatação de que modelo regional não vigoraria no quadro político-partidário actual. Essa “distritalização” pode, com efeito, e depois de acertos legislativos, preencher, com êxito, o modelo regional não existente.
A percepção política dos problemas supramunicipais pode-se, perfeitamente, fazer ao nível do distrito, dotando este de um carácter eminentemente político, ao contrário do seu carácter administrativo. A confusão gerada em torno da administração supramunicipal origina um retalho jurídico-administrativo não consentâneo com o nível de decisão política mais próximo.” (4)

Nesta sede de “distritalizar” que se apoderou do PSD, não podemos deixar de citar o projecto de “relocalização distrital dos Serviços desconcentrados da Administração central”(5) apresentado em 1999 com base em argumentos que seriam risíveis não fosse a questão demasiado séria para estas “brincadeiras legislativas”:

“Não se verificando em muitos sectores quaisquer razões económicas ou administrativas que obriguem à existência de circunscrições significativamente mais amplas do que a divisão básica da Administração local do Estado (distrito), a subsistência daquelas, após a rejeição da Regionalização, constitui uma deliberada mas insustentável política funcionalmente centralizadora na Administração Pública. (...)
De seu lado, o Partido Social Democrata entende responsavelmente ser seu dever, considerando o sentir da larga maioria dos portugueses em relação à regionalização artificial do País, criar as condições que promovam a reorganização dos serviços da apenas, a modelos político-administrativos ultrapassados. O Objectivo do presente projecto não é assim outro senão o de o Estado, como um todo, se subordinar e interiorizar a vontade e as aspirações políti­cas soberanamente manifestadas pela sociedade portuguesa.
Para o referido desiderato concorre, em sectores cujos problemas apresentam tão intensa ligação ao quotidiano das pessoas, o reforço da descentralização funcional dos serviços competentes, aproximando os seus órgãos de decisão das populações que servem para, conhecendo melhor a realidade destas, mais eficazmente resolverem os seus problemas. Este contacto mais íntimo, favorecido pela delimitação distrital de áreas de competência, é tão mais necessário quanto é certo que os titulares destes órgãos de decisão são livremente escolhidos pelo Governo, inexistindo, consequentemente, qualquer intervenção directa dos cidadãos residentes nas áreas onde aqueles serviços actuam, ou sequer dos seus representantes locais. (...)
Esta nova aposta nas naturais potencialidades das cidades capitais de distrito, constitui um justo reconhecimento da importância que esses centros de vitalidade assumem no desenvolvimento geral do país, bem como um seguro contributo para a correcção de assimetrias regionais existentes.
Finalmente, ao recuperar as circunscrições distritais para a delimitação geográfica das áreas de intervenção dos serviços da administração central, o presente projecto de lei dá ainda cumprimento ao princípio programático consagrado no n.º 1 do artigo 267.º da Constituição, que preconiza a estruturação da Administração Pública de modo a aproximar os serviços às populações, quer funcionalmente quer geograficamente.”

Perante a inércia dos autarcas e dos governantes, os trabalhadores das Assembleias Distritais organizaram, em Novembro de 2000, um plenário nacional e elegeram uma comissão que, nestes últimos quatros anos, apesar da compreensível desmotivação da maioria dos seus membros, tem vindo a desenvolver uma intensa actividade de sensibilização de diversas entidades (Presidência da República, Provedoria de Justiça, Assembleia da República, membros do Governo, autarcas, sindicatos, associações profissionais, etc.) para a situação em que se encontram estas estruturas da nossa Administração Pública Local, tendo chegado a apresentar a todos os grupos parlamentares uma proposta de alteração do Decreto-Lei n.º 5/91, de modo a conferir “os indispensáveis meios orgânicos (ou seja, uma estrutura diárquica semelhante à das autarquias locais com a existência de um órgão deliberativo e de um órgão executivo), e os mecanismos de financiamento fundamentais que permitam às Assembleias Distritais ultrapassar as limitações derivadas da incerteza quanto à cobrança, atempada, das contribuições dos municípios (isto é, transferências directas do Orçamento de Estado e possibilidade de recorrer ao crédito para resolver problemas de liquidez de tesouraria).”(6)

E retomamos aqui, neste ponto, a velha questão do financiamento das Assembleias Distritais e que, afinal, é aquela que está na base do seu atribulado quotidiano: assunção de encargos de forma repartida entre o Estado e os municípios, só pelo Estado, ou exclusivamente pelos municípios?

Embora o grupo parlamentar do Partido Social Democrata tenha defendido, em 1998, que as receitas das Assembleias Distritais deveriam contar com participações do Orçamento de Estado(7), quando o Partido Comunista Português sugeriu, em Outubro de 2002, que fosse “inscrita no orçamento [para 2003] do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente uma verba a afectar à actividade das Assembleias Distritais, de montante igual a 50% da receita arrecadada, no ano anterior, pelos cofres privativos dos respectivos Governos Civis”, a proposta foi liminarmente rejeitada com os votos contra do PSD e do Partido Popular, tendo colhido apenas os votos favoráveis dos proponentes e do Bloco de Esquerda, situação idêntica à verificada no ano seguinte a quando da aprovação do orçamento para 2004.

Quanto ao grupo parlamentar do Partido Socialista, apesar de ter garantido à Comissão de Trabalhadores das Assembleias Distritais (recebida em várias audiências pelo deputado João Benavente no primeiro semestre de 2002), que era urgente arranjar uma solução para resolver o problema financeiro daquelas entidades, nunca assumiu uma posição firme e determinada, clara e frontal, sobre o assunto, preferindo abster-se em ambas as votações.

Finalmente, convém recordar que o PCP já tinha proposto, em 2000, que a Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto (sobre finanças locais), fosse alterada para inclusão de um artigo sobre as receitas das Assembleias Distritais, prevendo que as mesmas fossem dotadas com uma verba transferida, anualmente, do Orçamento de Estado. A justificação para tal era a de que aquele partido considerava ser desejável e necessário revitalizá-las, objectivo este que consideravam só concretizável se o respectivo funcionamento pudesse ser autónomo e sustentado (8).

E o que pensam os autarcas sobre o futuro das Assembleias Distritais? Certo é que poucos são os que se interessam pelo seu funcionamento e raros aqueles que pagam, atempadamente, as suas contribuições. A esmagadora maioria não vai às reuniões dos respectivos órgãos deliberativos e os que fazem o frete de por lá aparecer raramente estão disponíveis para discutir questões de fundo, limitando-se a aprovar, quase “às cegas” planos e orçamentos cujo conteúdo lhes é indiferente, salvo raras excepções.

A realidade é crua, mas não vale a pena mascará-la. Atitudes displicentes como aquelas são sempre condenadas, em teoria. Todavia, na prática, nada se faz para alterar a situação. Fingindo um interesse que não existe, propõem-se soluções inviáveis para que ninguém tenha a ousadia de as tomar como preocupações sérias e apresente as contas do seu incumprimento. Aprovam-se sugestões, por­que é conveniente, mas tudo não passa de “letra morta” à nascença, tal como aconteceu com as linhas programáticas da Associação Nacional de Municípios Portugueses a seguir transcritas:

«As Assembleias Distritais, no caso de persistir a existência dos Distritos, deverão ver reequacionada a forma como são encaradas, quer pelo Governo, quer pelos seus próprios membros. Significa isto que deve ser dado relevo ao papel potencial dum órgão iminentemente político do Distrito, e não raciocinar na base da actual situação de vazio quase absoluto. Privilegiando um tal papel político, deveriam os bens patrimoniais existentes, móveis e imóveis, ser entregues aos Municípios onde aqueles estejam situados ou donde sejam originários.
Neste sentido, sugere-se que passem a ser designadas por Assembleias de Coordenação Distrital, assumindo competências iminentemente políticas, nomeadamente proceder ao acompanhamento da execução do PIDDAC na área respectiva, bem como receber, periodicamente, informação detalhada dos serviços desconcentrados da administração central sobre o desenvolvimento das suas actividades no Distrito.
Deverá ainda ser competência deste órgão proceder ao acompanhamento e avaliação da concretização das transferências de competências universais e não universais da administração central para os Municípios e Associações de Municípios, em curso na área do Distrito» (9).

Repescar a autarquia distrital, parece ser, na perspectiva de J. P. Baptista Dias(10), num período transitório até à criação efectiva das regiões administrativas, a forma ideal de resolver o problema, tendo em consideração a necessidade de aumentar a eficiência e eficácia do funcionamento dos múltiplos serviços desconcentrados que operam nesse nível territorial, a tradição no que se refere à aceitação, globalmente consensual, dos limites geográficos do distrito e a minimização dos custos de implantação de novos serviços por aproveitamento de estruturas já existentes.

Segundo aquele especialista em Administração e Políticas Públicas, a “revitalização dos Distritos e promoção do associativismo das autarquias distritais”, a quem caberia a «coordenação das actividades dos municípios», faz todo o sentido após a rejeição das referendadas regiões administrativas, sendo imprescindível que se proceda, contudo, à «redefinição das respectivas atribuições e competências», entretanto esvaziadas com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 5/91. Fundamental seria, também, que a eleição dos seus órgãos (deliberativo – a actual assembleia distrital, e executivo – a futura junta distrital) fosse efectuada numa «base democrática», presume-se que através de sufrágio directo e universal.


(4) AVELINO, Alberto, Intervenção no I Encontro Nacional Distritos 2000 - Pensar o Amanhã, Lisboa, 9 de Novembro de 2000.
(5) Projecto de Lei n.º 23/VIII – 1.ª sessão legislativa, 25 de Novembro de 1999, da iniciativa do deputado António Capucho e outros.
(6) Proposta de alteração do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de Janeiro, apresentada pela «Pró Comissão de Trabalhadores das Assembleias Distritais» aos Grupos Parlamentares da Assembleia da República, em Julho de 2001.
 (7) Alínea d) do artigo 14.º do Projecto de Lei n.º 560/VII, de 1 de Setembro de 1998, da iniciativa do deputado Marques Mendes, e outros.
(8) Intervenção do deputado Honório Novo na Assembleia da República, 3 de Novembro de 2000.
(9) Linhas programáticas para 2002/2004, documento aprovado no XIII Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, realizado em 12 e 13 de Abril de 2002.
(10) «Descentralização Administrativa e Alternativas à Regionalização», Revista de Administração e Políticas Públicas, vol. II, n.º 1, 2001.


CONTINUA 


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