terça-feira, 17 de novembro de 2015

Da tradição à revolução: que fazer com o Distrito? Parte 4.

Alcácer do Sal, 2015. Fotografia de Ermelinda Toscano.



«Apesar da concordância que esta posição colherá junto dos adeptos da “distritalização”, ela parece-nos inviável, entre outros motivos porque obrigaria a uma revisão do capítulo VIII (Poder Local) e do artigo 291.º da Constituição, ideia que não parece passível de concretizar. Além disso, a experiência diz-nos que autarcas e governantes não pretendem, hoje, viabilizar uma solução deste tipo mesmo que ela nos pareça aquela que melhor supriria, transitoriamente, a questão da inexistência de autarquias supramunicipais no nosso ordenamento administrativo. Acresce, ainda, o facto de a reforma protagonizada pelas Leis 10 e 11/2003, estar em curso e se sobrepor a quaisquer outras iniciativas do mesmo género.

Face ao atrás exposto, somos em crer que, apesar do disposto no artigo 291.º da Constituição, enquanto se mantiver a redacção do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio (eleição para a Assembleia da República), ao Distrito caberá apenas o papel de mero círculo eleitoral e, subsidiariamente, suporte geográfico para a organização interna dos partidos políticos.

Quanto aos Serviços, e respectivos funcionários, das Assembleias Distritais actualmente em funcionamento, o constitucionalista Vital Moreira é de opinião que tudo indica que venham a “ser integrados nas novas entidades supramunicipais” (11). Fica por esclarecer o como e o quando, até porque a legislação que as criou nem sequer aborda a existência destas estruturas.

Omissão essa que resultou de uma intenção deliberada do legislador, como facilmente podemos perceber se analisarmos a entrevista de Miguel Relvas, então Secretário de Estado da Administração Local e principal mentor deste modelo de descentralização “à la carte” a um jornal de Santarém(12). A propósito do facto de alguns autarcas continuarem a questionar a existência da Assembleia Distrital de Santarém, pelo menos nos moldes actuais, Miguel Relvas considerou-a “uma aberração”. Presidente da Assembleia Municipal de Tomar desde Dezembro de 1997, disse ainda, com algum orgulho na opinião do jornalista, que nunca tomou posse do seu assento naquele órgão nos dois mandatos como autarca porque, para ele, a assembleia era “um alvo a abater”, destacando que a sua legitimidade de eleito era no município, e seria no município que prestaria contas.

Independentemente de quem as proferisse, estas declarações seriam sempre consideradas bastante infelizes porque são lesivas da dignidade que estes órgãos merecem, mesmo que não se concorde com a sua existência. Um membro do Governo que é também autarca, tem responsabilidades acrescidas perante o país. Por isso, aquela opinião é reveladora de uma atitude não compatível com o exercício de qualquer um dos referidos cargos, e no que se refere ao exercício de funções autárquicas, aquele comportamento de continuada e reiterada ausência não justificada às reuniões do órgão deliberativo distrital a que pertence, consubstancia uma clara violação da lei, passível de incorrer em perda de mandato nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto.

Infelizmente, apesar do regime jurídico da tutela administrativa referir, expressamente, que também se aplica às assembleias distritais (n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 27/96), nenhum dos órgãos titulares encarregues de a assegurar se mostrou capaz de, até ao presente, fazer cumprir as disposições nela contidas no tocante àquelas entidades. Talvez porque a lei, afinal, não é para todos cum­prirem, e sendo os prevaricadores tantos e as infracções demasiado numerosas mais vale fingir que nada se passa.

Ainda a propósito do que Miguel Relvas pensa, ou pensava na altura, não podemos deixar de dizer que, ao contrário daquilo que afirmou, publicamente, a sua legitimidade como eleito provinha e destinava-se ao todo nacional e não tinha apenas como referência o seu município de origem, cabendo-lhe prestar contas a Portugal (na qualidade de Secretário de Estado e para cujo cargo terá sido eleito pelo círculo do distrito de Santarém) e não só ao concelho de Tomar (enquanto Presidente da Assembleia Municipal).

Igualmente polémica, contraditória e desprovida de sentido, é a posição de Macário Correia(13), Presidente da Câmara Municipal de Tavira:
“É difícil perceber que quando o discurso do actual Governo [liderado por Durão Barroso] se pauta pela descentralização, não se tenha registado ainda qualquer diligência conducente à total eliminação das Assembleias Distritais.
Pior do que isso é que tendo a Assembleia Distrital de Faro, deliberado em reunião ordinária, comunicar ao Governo a sua total inutilidade, este não encontre solução para a dar por extinta.”

Estranho é que, porém, os Serviços Administrativos da Assembleia Distrital de Faro desconheçam aquela deliberação e a mesma não conste de nenhuma acta oficial, pelo que se houve, efectivamente, uma comunicação ao Governo ela nunca foi da iniciativa daquela entidade, até porque ela seria ilegal: nos termos do Decreto-Lei n.º 5/91, os autarcas apenas podem deliberar sobre a manutenção ou extinção de Serviços (neste caso, o Museu Regional do Algarve) estando-lhes vedada qualquer hipótese de extinguir o órgão deliberativo, cabendo à Assembleia da República a decisão sobre o futuro destas estruturas autárquicas, em termos nacionais e não para resolver casos específicos, através da alteração do artigo 291.º da Constituição.

Esta atitude (de criar factos para fundamentar uma opinião pessoal), é mais um exemplo da forma irreflectida como a maioria dos políticos têm encarado estas entidades, votando-as ao ostracismo e esquecendo que são os trabalhadores que sofrem as consequências directas destes actos. Mas mais grave ainda é que estas insistentes práticas de desrespeito pelas leis colham a complacência do nosso sistema político, sejam consideradas sem importância judicial e acabem por ficar impunes.

Aliás, a confusão entre a assembleia da AMAL (Associação de Municípios do Algarve), hoje transformada em GAMAL (Grande Área Metropolitana do Algarve) e a Assembleia Distrital de Faro é bem notória neste pequeno texto que versa o mesmo assunto:
“Após a Assembleia Distrital do Algarve ter sugerido ao Governo a extinção do órgão, a AMAL e os seus associados têm trabalhado no sentido de solucionar este problema, tendo presente que este é um órgão vazio de competência e utilidade, que só representa custos para o erário público”. (14)

Para comprovar a insensatez das informações contidas naquele artigo, difundido por um órgão oficial, o que é lamentável, basta ter em atenção o seguinte:
1. A Assembleia Distrital do Algarve é uma entidade ficcionada;
2. A Assembleia Distrital de Faro não deliberou auto extinguir-se, porque não existe nenhuma acta da qual conste essa deliberação;
Se existiu alguma comunicação ao Governo ela não foi sugerida pela Assembleia Distrital de Faro;
3. A Assembleia da AMAL, ou da GAMAL, pese embora a coincidência territorial, não pode substituir-se à Assembleia Distrital de Faro, até porque esta última é um órgão deliberativo muito mais abrangente que conta entre os seus membros com um presidente de Junta de Freguesia por concelho – nos termos da alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 5/91 –, os quais não fazem parte da nova entidade administrativa.

Apesar de todos sabermos que as deliberações de uma entidade supramunicipal não vinculam o funcionamento de outra igualmente independente, os autarcas algarvios que integram a GAMAL, movidos por razões que desconhecemos, à revelia de todas as normas de direito e atropelando os mais elementares princípios do funcionamento democrático das instituições públicas, em vez de reunirem o órgão competente para o efeito preferem deliberar na Assembleia da Área Metropolitana a aprovação de propostas respeitantes à Assembleia Distrital, numa evidente ingerência na autonomia desta entidade que, apesar de constituir uma clara violação do Decreto-Lei n.º 5/91 é tolerada pela maioria dos seus membros que aceitam, passivamente, esta ilegalidade sem a contestar nas devidas instâncias judiciais.

Um exemplo do que atrás denunciámos aconteceu no passado mês de Novembro do corrente ano com a designada “quota de equilíbrio” para financiamento da Assembleia Distrital, uma tabela com as comparticipações individuais de cada um dos municípios algarvios, para cumprimento do disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, cuja aprovação é da competência exclusiva daquele órgão distrital [conforme o disposto na alínea j) do artigo 5.º do citado diploma] e não da GAMAL onde acabou por ser discutida e aprovada, alterando os montantes que a Assembleia Distrital de Faro tinha inscritos no seu orçamento.

Queremos estar convictos, contudo, que este nosso trabalho irá contribuir para que comportamentos desta natureza venham a ser corrigidos e para que o futuro do Distrito e das Assembleias Distritais seja objecto de uma discussão séria e transparente.

Pela nossa parte tentaremos encetar todas as diligências indispensáveis à realização de um debate amplo e participado, destinado a reflectir sobre todas as questões aqui abordadas, sem tabus, para que até ser encontrada a solução definitiva para o problema do Distrito os responsáveis políticos (autarcas e governantes) criem as condições indispensáveis para impedir que as consequências da fragilidade institucional em que se encontram as Assembleias Distritais continuem a recair sobre os funcionários, cujos direitos devem ser acautelados.

A Assembleia Distrital é a única instância da Administração Pública onde têm assento os representantes de todos os órgãos autárquicos do Distrito (câmaras municipais, assembleias municipais e juntas de freguesia), sendo, por esse motivo, um importante fórum de debate ao nível do Poder Local, cujas potencialidades, por falta de vontade política para o efeito, não estão a ser aproveitadas pelos seus membros. Esperamos que venha, ainda, mesmo que neste período transitório, a desempenhar, com dignidade, as suas funções e consiga encontrar no seu seio a solução que urge descobrir.

(11) E-mail recebido em 16/03/2004.
(12) O Mirante, de 5 de Junho de 2003.
(13) Intervenção na Conferência sobre Áreas Metropolitanas e Comunidades Intermunicipais, Évora, Outubro de 2003.
(14) Boletim Informativo da Grande Área Metropolitana do Algarve, n.º 2, Julho de 2004.»


CONTINUA



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