Alcácer do Sal, 2015. Fotografia de Ermelinda Toscano.
«Apesar da
concordância que esta posição colherá junto dos adeptos da “distritalização”,
ela parece-nos inviável, entre outros motivos porque obrigaria a uma revisão do
capítulo VIII (Poder Local) e do artigo 291.º da Constituição, ideia que não
parece passível de concretizar. Além disso, a experiência diz-nos que autarcas
e governantes não pretendem, hoje, viabilizar uma solução deste tipo mesmo que
ela nos pareça aquela que melhor supriria, transitoriamente, a questão da
inexistência de autarquias supramunicipais no nosso ordenamento administrativo.
Acresce, ainda, o facto de a reforma protagonizada pelas Leis 10 e 11/2003,
estar em curso e se sobrepor a quaisquer outras iniciativas do mesmo género.
Face ao
atrás exposto, somos em crer que, apesar do disposto no artigo 291.º da
Constituição, enquanto se mantiver a redacção do n.º 2 do artigo 12.º da Lei
n.º 14/79, de 16 de Maio (eleição para a Assembleia da República), ao Distrito
caberá apenas o papel de mero círculo eleitoral e, subsidiariamente, suporte
geográfico para a organização interna dos partidos políticos.
Quanto aos
Serviços, e respectivos funcionários, das Assembleias Distritais actualmente em
funcionamento, o constitucionalista Vital Moreira é de opinião que tudo indica
que venham a “ser integrados nas novas entidades supramunicipais” (11).
Fica por esclarecer o como e o quando, até porque a legislação que as criou nem
sequer aborda a existência destas estruturas.
Omissão essa
que resultou de uma intenção deliberada do legislador, como facilmente podemos
perceber se analisarmos a entrevista de Miguel Relvas, então Secretário de
Estado da Administração Local e principal mentor deste modelo de
descentralização “à la carte” a um jornal de Santarém(12). A
propósito do facto de alguns autarcas continuarem a questionar a existência da
Assembleia Distrital de Santarém, pelo menos nos moldes actuais, Miguel Relvas
considerou-a “uma aberração”. Presidente da Assembleia Municipal de Tomar desde
Dezembro de 1997, disse ainda, com algum orgulho na opinião do jornalista, que
nunca tomou posse do seu assento naquele órgão nos dois mandatos como autarca
porque, para ele, a assembleia era “um alvo a abater”, destacando que a sua
legitimidade de eleito era no município, e seria no município que prestaria
contas.
Independentemente
de quem as proferisse, estas declarações seriam sempre consideradas bastante
infelizes porque são lesivas da dignidade que estes órgãos merecem, mesmo que
não se concorde com a sua existência. Um membro do Governo que é também
autarca, tem responsabilidades acrescidas perante o país. Por isso, aquela
opinião é reveladora de uma atitude não compatível com o exercício de qualquer
um dos referidos cargos, e no que se refere ao exercício de funções autárquicas,
aquele comportamento de continuada e reiterada ausência não justificada às
reuniões do órgão deliberativo distrital a que pertence, consubstancia uma
clara violação da lei, passível de incorrer em perda de mandato nos termos da
alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto.
Infelizmente,
apesar do regime jurídico da tutela administrativa referir, expressamente, que
também se aplica às assembleias distritais (n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º
27/96), nenhum dos órgãos titulares encarregues de a assegurar se mostrou capaz
de, até ao presente, fazer cumprir as disposições nela contidas no tocante
àquelas entidades. Talvez porque a lei, afinal, não é para todos cumprirem, e
sendo os prevaricadores tantos e as infracções demasiado numerosas mais vale
fingir que nada se passa.
Ainda a
propósito do que Miguel Relvas pensa, ou pensava na altura, não podemos deixar
de dizer que, ao contrário daquilo que afirmou, publicamente, a sua legitimidade
como eleito provinha e destinava-se ao todo nacional e não tinha apenas como
referência o seu município de origem, cabendo-lhe prestar contas a Portugal (na
qualidade de Secretário de Estado e para cujo cargo terá sido eleito pelo
círculo do distrito de Santarém) e não só ao concelho de Tomar (enquanto
Presidente da Assembleia Municipal).
Igualmente
polémica, contraditória e desprovida de sentido, é a posição de Macário Correia(13),
Presidente da Câmara Municipal de Tavira:
“É difícil perceber que quando o
discurso do actual Governo [liderado por Durão Barroso] se pauta pela
descentralização, não se tenha registado ainda qualquer diligência conducente à
total eliminação das Assembleias Distritais.
Pior do que isso é que tendo a
Assembleia Distrital de Faro, deliberado em reunião ordinária, comunicar ao
Governo a sua total inutilidade, este não encontre solução para a dar por
extinta.”
Estranho é
que, porém, os Serviços Administrativos da Assembleia Distrital de Faro
desconheçam aquela deliberação e a mesma não conste de nenhuma acta oficial,
pelo que se houve, efectivamente, uma comunicação ao Governo ela nunca foi da
iniciativa daquela entidade, até porque ela seria ilegal: nos termos do
Decreto-Lei n.º 5/91, os autarcas apenas podem deliberar sobre a manutenção ou
extinção de Serviços (neste caso, o Museu Regional do Algarve) estando-lhes
vedada qualquer hipótese de extinguir o órgão deliberativo, cabendo à
Assembleia da República a decisão sobre o futuro destas estruturas autárquicas,
em termos nacionais e não para resolver casos específicos, através da alteração
do artigo 291.º da Constituição.
Esta atitude
(de criar factos para fundamentar uma opinião pessoal), é mais um exemplo da
forma irreflectida como a maioria dos políticos têm encarado estas entidades,
votando-as ao ostracismo e esquecendo que são os trabalhadores que sofrem as
consequências directas destes actos. Mas mais grave ainda é que estas
insistentes práticas de desrespeito pelas leis colham a complacência do nosso
sistema político, sejam consideradas sem importância judicial e acabem por
ficar impunes.
Aliás, a
confusão entre a assembleia da AMAL (Associação de Municípios do Algarve), hoje
transformada em GAMAL (Grande Área Metropolitana do Algarve) e a Assembleia
Distrital de Faro é bem notória neste pequeno texto que versa o mesmo assunto:
“Após a Assembleia Distrital do
Algarve ter sugerido ao Governo a extinção do órgão, a AMAL e os seus
associados têm trabalhado no sentido de solucionar este problema, tendo
presente que este é um órgão vazio de competência e utilidade, que só
representa custos para o erário público”. (14)
Para
comprovar a insensatez das informações contidas naquele artigo, difundido por
um órgão oficial, o que é lamentável, basta ter em atenção o seguinte:
1. A
Assembleia Distrital do Algarve é uma entidade ficcionada;
2. A
Assembleia Distrital de Faro não deliberou auto extinguir-se, porque não existe
nenhuma acta da qual conste essa deliberação;
Se existiu
alguma comunicação ao Governo ela não foi sugerida pela Assembleia Distrital de
Faro;
3. A
Assembleia da AMAL, ou da GAMAL, pese embora a coincidência territorial, não
pode substituir-se à Assembleia Distrital de Faro, até porque esta última é um
órgão deliberativo muito mais abrangente que conta entre os seus membros com um
presidente de Junta de Freguesia por concelho – nos termos da alínea b) do artigo
2.º do Decreto-Lei n.º 5/91 –, os quais não fazem parte da nova entidade
administrativa.
Apesar de
todos sabermos que as deliberações de uma entidade supramunicipal não vinculam
o funcionamento de outra igualmente independente, os autarcas algarvios que
integram a GAMAL, movidos por razões que desconhecemos, à revelia de todas as
normas de direito e atropelando os mais elementares princípios do funcionamento
democrático das instituições públicas, em vez de reunirem o órgão competente
para o efeito preferem deliberar na Assembleia da Área Metropolitana a
aprovação de propostas respeitantes à Assembleia Distrital, numa evidente ingerência
na autonomia desta entidade que, apesar de constituir uma clara violação do
Decreto-Lei n.º 5/91 é tolerada pela maioria dos seus membros que aceitam,
passivamente, esta ilegalidade sem a contestar nas devidas instâncias
judiciais.
Um exemplo
do que atrás denunciámos aconteceu no passado mês de Novembro do corrente ano
com a designada “quota de equilíbrio” para financiamento da Assembleia
Distrital, uma tabela com as comparticipações individuais de cada um dos
municípios algarvios, para cumprimento do disposto no artigo 14.º do
Decreto-Lei n.º 5/91, cuja aprovação é da competência exclusiva daquele órgão
distrital [conforme o disposto na alínea j) do artigo 5.º do citado diploma] e
não da GAMAL onde acabou por ser discutida e aprovada, alterando os montantes
que a Assembleia Distrital de Faro tinha inscritos no seu orçamento.
Queremos
estar convictos, contudo, que este nosso trabalho irá contribuir para que
comportamentos desta natureza venham a ser corrigidos e para que o futuro do
Distrito e das Assembleias Distritais seja objecto de uma discussão séria e
transparente.
Pela nossa
parte tentaremos encetar todas as diligências indispensáveis à realização de um
debate amplo e participado, destinado a reflectir sobre todas as questões aqui
abordadas, sem tabus, para que até ser encontrada a solução definitiva para o
problema do Distrito os responsáveis políticos (autarcas e governantes) criem
as condições indispensáveis para impedir que as consequências da fragilidade
institucional em que se encontram as Assembleias Distritais continuem a recair
sobre os funcionários, cujos direitos devem ser acautelados.
A Assembleia Distrital é a única instância da
Administração Pública onde têm assento os representantes de todos os órgãos
autárquicos do Distrito (câmaras municipais, assembleias municipais e juntas de
freguesia), sendo, por esse motivo, um importante fórum de debate ao nível do
Poder Local, cujas potencialidades, por falta de vontade política para o
efeito, não estão a ser aproveitadas pelos seus membros. Esperamos que venha,
ainda, mesmo que neste período transitório, a desempenhar, com dignidade, as
suas funções e consiga encontrar no seu seio a solução que urge descobrir.
(11) E-mail recebido em 16/03/2004.
(12) O Mirante, de 5 de Junho de 2003.
(13) Intervenção na Conferência sobre Áreas
Metropolitanas e Comunidades Intermunicipais, Évora, Outubro de 2003.
(14) Boletim Informativo da Grande Área
Metropolitana do Algarve, n.º 2, Julho de 2004.»
CONTINUA
Fonte: Descentralização
Administrativa. O paradigma da divisão do território. O que fazer com o
Distrito, de Ermelinda Toscano, Lisboa, 2004.
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