O farol de Cacilhas. Fotografia de Ermelinda Toscano
«Para
começar este capítulo, escolhemos as palavras de Alberto Avelino proferidas no I
Encontro
Nacional Distritos 2000 – Pensar o Amanhã (Lisboa, 9 de Novembro de
2000), por apresentarem uma súmula clara das motivações que levaram ao abandono
generalizado das estruturas distritais:
“Com o
advento da democracia, será a primeira Constituição Portuguesa, no pós 25 de
Abril, a relembrar a necessidade da reforma administrativa do país, relegando o
distrito para um “vazio” administrativo e político, enquanto não fossem
instituídas em concreto as regiões administrativas.
Reformar a
velha administração, herdada de um quadro político autoritário, torna-se
imperiosa para a jovem democracia, que vê no distrito uma herança centralista
não compaginável com um ideário assente numa democracia de poder local. (...)
Com esta
inovação estava criada a ruptura entre o distrito e a assembleia distrital, que
pela sua composição encerra o princípio democrático da representatividade dos
autarcas eleitos no distrito. Pelo próprio leque de competências das
assembleias distritais, sobretudo no âmbito da Cultura e Educação, torna-se
visível a tentativa de esvaziar, completamente, os órgãos distritais, sobretudo
na sua componente económica face à ascensão de uma política de planeamento e de
gestão financeira, em torno das comissões de coordenação regionais, dotando
estes serviços, ocupados por elites técnicas de nomeação, de poderes acrescidos
face aos eleitos locais.”
Seguindo
essa linha de pensamento, a Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro (que veio regular a
organização e o funcionamento das autarquias locais), vem confirmar a orientação
constitucional de, transitoriamente, manter o distrito até à instituição das
regiões, e, mais tarde, estabelece-se que as Assembleias Distritais serão
dotadas «através de uma verba anualmente transferida do Orçamento Geral do
Estado» (n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 1/79, de 2 de Janeiro – que veio
disciplinar as finanças locais), para suportar o regular funcionamento dos
Serviços que lhes estão adstritos.
Decorridos
sete anos, a lei das autarquias locais é revista e publicado um novo regime
global traduzido no Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (que veio revogar a
Lei n.º 79/77), o qual deixa de fazer qualquer referência ao distrito, sendo a
explicação apresentada no seu preâmbulo: “... face à sua não caracterização
como autarquia local, mas apenas como unidade administrativa territorial de
natureza distinta...”.
Razões estas
que o legislador não considerou como válidas a quando da elaboração do novo regime
das finanças locais pois, contrariamente à ausência anterior, o n.º 1 do artigo
24.º do Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de Março, mantém uma redacção quase
idêntica à da Lei n.º 1/79, no que se refere às finanças distritais: “Enquanto
as regiões administrativas não estiverem instituídas, os distritos são dotados
através de uma verba anualmente transferida do Orçamento do Estado e cujo montante
corresponde ao das receitas arrecadadas pelos cofres privativos dos governos
civis”, regra esta que se manteve quando este diploma foi revogado pela Lei n.º
1/87, de 6 de Janeiro (n.º 3 do artigo 29.º).
De notar
que, embora o preceito referente às finanças distritais se tenha mantido após a
revisão da lei das finanças locais através da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, em
conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 36.º, aquela regra apenas se
aplica ao caso dos Governos Civis já que a partir de 1991, por força do
estabelecido no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de Janeiro, as
Assembleias Distritais não podem receber quaisquer transferências do Orçamento
de Estado, a nosso ver injustamente.
Dois outros
diplomas importa referir, igualmente, pelos reflexos que tiveram no
funcionamento das Assembleias Distritais, sobretudo em matéria de recursos
financeiros e redução de atribuições funcionais, atendendo à incapacidade que
estas estruturas vinham a demonstrar para desenvolver determinadas actividades:
A) O
Decreto-Lei n.º 285/85, de 23 de Julho – que permitiu às Assembleias Distritais
deliberarem sobre quais os Serviços que pretendiam, efectivamente, continuar a
assegurar, fixando quadros de pessoal próprios para o efeito, e transferir para
a órgãos desconcentrados da Administração Central “as actuações do foro do fomento,
segurança social e saúde”. Conforme o n.º 3 do artigo 1.º, a partir de 1986 os
encargos com as remunerações e demais abonos do pessoal afecto aos Serviços
adstritos às Assembleias Distritais passariam a ser suportados, exclusivamente,
por verbas postas à disposição dos distritos pelos municípios.
B) A Lei n.º
14/86, de 30 de Maio – que veio revogar a legislação anterior, mantendo a mesma
disciplina em termos de conteúdo mas alargando os prazos para as Assembleias
Distritais deliberarem sobre os Serviços a transferir e a prosseguir. Mais
estabelece que o pessoal que integrar os quadros privativos “ficará sujeito ao
regime jurídico do pessoal da administração local” (n.º 5 do artigo 1.º).
Quanto às finanças distritais, o n.º 6 do artigo 1.º passou a consignar que os
encargos com a manutenção dos Serviços e pessoal passassem a ser suportado “em
partes iguais, por participações dos municípios respectivos, de acordo com os
critérios de repartição fixados pela assembleia distrital e pelo Orçamento de
Estado”.
Mas foi com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º
5/91, de 8 de Janeiro, e a interpretação retroactiva que a Declaração de
Rectificação n.º 5/91, de 31 de Janeiro, veio dar ao artigo 15.º do referido
diploma, permitindo a transferência imediata de Serviços e pessoal para a
gestão dos Governos Civis, um acto inconstitucional que, na opinião de Rui
Machete(1), atentou “contra a autonomia das Assembleias Distritais,
enquanto órgãos com carácter deliberativo, constitucionalmente reconhecido, bem
como contra a sua natureza autárquica, provocando em muitos casos um verdadeiro
esvaziamento, não esperado e não pretendido, do património das Assembleias
Distritais em favor do Poder Central”, que se assinou, em definitivo, a
“sentença de morte” destas estruturas de génese autárquica.
Desprovidas da quase totalidade do seu património, sem
Serviços e pessoal suficiente para satisfazer as poucas atribuições que lhes
restavam, sem receber qualquer transferência do Orçamento de Estado e
impossibilitadas de contrair empréstimos (mesmo de curto prazo, para resolver
problemas de falta de liquidez de tesouraria), as Assembleias Distritais
ficaram na dependência exclusiva das comparticipações dos municípios para
poderem desenvolver as suas actividades, o que acabou por agravar ainda mais a
sua precária situação. Paralelamente, o desinteresse dos autarcas foi crescendo
e, aos poucos, foram deixando de participar nas reuniões do órgão deliberativo.
A nível
nacional, nove das dezoito Assembleias Distritais existentes acabaram por ficar
sem Serviços nem pessoal e embora algumas ainda reúnam esporadicamente, é como
se tivessem sido extintas, dada a inactividade em que se encontram. Estão nessa
situação: Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Évora, Guarda, Leiria, Portalegre e
Viana do Castelo.
Todavia,
outras nove deliberaram ficar com Serviços e pessoal e, apesar de todas as
dificuldades de que já se falou, continuam a exercer as limitadas atribuições
que lhes restam, sobretudo na área sociocultural: Beja (Museu Rainha D.
Leonor), Castelo Branco (Colónia Balnear da Areia Branca), Faro (Museu Regional
do Algarve), Lisboa (Serviços de Cultura: Biblioteca, Edições e Núcleo de
Arqueologia), Santarém (Colónia Balnear da Nazaré), Setúbal (Museu de
Arqueologia e Etnografia) e Porto, Vila Real e Viseu, apenas com Serviços
Administrativos.
Na origem do
tratamento indiferente com que os autarcas olham para estas entidades, poderá
estar também o princípio da gratuitidade das funções exercidas na Assembleia
Distrital (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 5/91) e que proíbe os seus membros de
serem remunerados por quaisquer cargos que possam desempenhar naquele órgão. E,
conforme parecer da CCR-Norte, emitido em 1997 pela Dr.ª Lídia Ramos, “uma vez
que o n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, apenas confere
direito a senhas de presença aos eleitos locais que não se encontrem em regime
de permanência ou de meio tempo quando participarem em reuniões do respectivo
órgão (e das comissões a que compareçam)”, os membros das Assembleias
Distritais encontram-se, igualmente, impedidos de as receber.
(1) Parecer
emitido em 5 de Outubro de 1991, por solicitação da Assembleia Distrital de
Lisboa.»
CONTINUA
Fonte: Descentralização
Administrativa. O paradigma da divisão do território. O que fazer com o
Distrito, de Ermelinda Toscano, Lisboa, 2004.
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