Ilha da Madeira, 2015. Fotografia de Ermelinda Toscano.
«No início
do seu segundo mandato como Presidente da República, Jorge Sampaio considerou-a
imprescindível para o desenvolvimento da democracia. No XIII Congresso da ANMP,
em 2002, os autarcas exigiram-na. A ANAFRE reclama-a. Com mais ou menos
destaque, todos os partidos políticos a elegem como uma prioridade. Os programas
dos sucessivos Governos classificam-na como fundamental. É ela a
DESCENTRALIZAÇÃO! O rosto de uma profunda mudança no desenho dos limites geográfico
internos do país, que uns dizem ser o bastante, e outros clamam que deve ir até
à autonomia prevista na Constituição com a criação das regiões administrativas.
Com tanta
gente a dar-lhe importância, esperava-se que a reforma territorial da nossa
Administração Pública fosse, finalmente, implementada... sem tabus e de uma
forma estruturada. Mas a “revolução tranquila” prometida pelo XV Governo ficou
muito aquém das promessas eleitoralistas do PSD. As medidas descentralizadoras
consubstanciadas, nomeadamente, nas Leis 10 e 11/2003, de 13 de Maio, mais do
que unir (como pomposamente se apregoava em oposição às consequências da regionalização),
têm dividido os autarcas, e esqueceram que, enquanto o Distrito se mantiver
como divisão administrativa, há que incluir a questão das Assembleias
Distritais na agenda política, e ter a coragem de assumir uma posição concreta,
e urgente, sobre o seu enquadramento futuro.
Porque estas
entidades existem! E mesmo que alguns autarcas as classifiquem como “órgãos
inúteis”, o certo é que são várias as que desenvolvem actividades de méritos
reconhecidos, em particular na área sócio-cultural, como sejam:
As Colónias
Balneares (na Areia Branca e na Nazaré), das Assembleias Distritais de Castelo
Branco e de Santarém; o Museu Rainha D. Leonor (da Assembleia Distrital de
Beja); o Museu Regional do Algarve (da Assembleia Distrital de Faro); o Museu
de Arqueologia e Etnografia (da Assembleia Distrital de Setúbal), os Serviços
de Cultura (Biblioteca Pública, Sector Editorial e Núcleo de Investigação Arqueológica)
da Assembleia Distrital de Lisboa.
O “novo modelo de governação” prometido pelo XV
Governo e, julga-se, continuado pelo fátuo XVI Governo, em termos de administração
territorial, assente em reformas que tinham a descentralização como “pano de
fundo”, ficou-se apenas por decisões legislativas ao nível:
a) do reforço das atribuições e competências das
Associações de Municípios;
b) da criação de novas Áreas Metropolitanas;
c) da transferência de parte das competências dos
Governos Civis para o plano municipal.
Medidas
estas que, além de contribuírem para desfragmentar ainda mais o já de si pouco
ordenado recorte geográfico da nossa administração pública (desde os órgãos
desconcentrados do Estado que adoptam áreas de intervenção diversificadas, aos
distritos, concelhos e freguesias, ou às unidades para fins estatísticos – as
NUTS, existem dezenas de divisões administrativas do país que se sobrepõem,
mostrando um país confuso, completamente desorganizado em termos do seu
figurino territorial interno) denunciam uma despreocupação total pelos
interesses reais das populações na medida em que o carácter avulso, não
coordenado, sem visão de conjunto e não integrativo de soluções anteriores,
acaba por ter custos económicos, além de sociais e culturais, que serão os
contribuintes a suportar.
Evidente se
torna, também, a falta de vontade política de todos os partidos com assento
parlamentar, em extinguir, efectivamente, a controversa figura do Distrito,
mesmo daqueles que se dizem acérrimos defensores dessa opção, na medida em que
evitam passar à prática as suas “teorias de gabinete”, não fossem elas acabar
por ser aprovadas, o que seria muito inconveniente sobretudo enquanto se
mantiver a actual lei eleitoral, cuja base de organização é distrital.
E ao
omitirem o caso das Assembleias Distritais na discussão das matérias referentes
à descentralização, agindo como se elas já tivessem sido extintas, demonstram
uma total falta de carácter, por isso, enquanto o Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de
Janeiro se mantiver em vigor, e o texto constitucional não for alterado, o
mínimo que se exige ao Governo e aos edis municipais, tal como o Estado exige
aos cidadãos em geral, é o cumprimento da legislação, e o respeito pelos
trabalhadores afectos aos Serviços que estão adstritos àquelas entidades.
Aliás, a difícil situação em que se encontram a
maioria das Assembleias Distritais:
a) ineficácia orgânica e funcional (devido à
inexistência de um órgão executivo e por o deliberativo não conseguir reunir
por falta de quorum);
b) crónica insuficiência de recursos financeiros (que
impede o regular funcionamento dos Serviços);
c) dependência orçamental de uma única fonte de receitas
(as transferências municipais), apesar do artigo 9.º do diploma acima citado
prever múltiplas formas de financiamento;
d) frequentes problemas de liquidez de tesouraria
(devido ao não pagamento atempado das contribuições provenientes dos
municípios);
e) impossibilidade de programar actividades a médio
prazo e implementar projectos que impliquem investimento directo (porque as
dotações orçamentais não passam de meros exercícios virtuais de expressão
contabilística incerta);
f) existência de património imobiliário devoluto e
degradado (por incapacidade para efectuar obras de recuperação);
g) espólio museológico a degradar-se (por ausência das
indispensáveis condições de manutenção),
é, apenas, o reflexo do ostracismo a que os políticos
(de todos os partidos) – sejam deputados, governantes ou autarcas –, têm
condenado estas entidades, em particular a partir de 1991.
Infelizmente, as consequências do incumprimento
resultante do facto de, salvo raras e honrosas excepções, as Câmaras Municipais
não assumirem as obrigações financeiras que decorrem das responsabilidades que
lhes cabem no âmbito do artigo 14.º do referido decreto – comportamento este
que em nada prestigia o Poder Local – recaem sobre os funcionários, a quem cabe
a ingrata tarefa de apresentar soluções passíveis de remediar os problemas diários,
sujeitando-se à permanente humilhação de “esmolar” a entrega daquelas
contribuições. Como “prémio” pelo esforço e empenho, vêem os seus mais
elementares direitos serem, constantemente, atropelados: desde salários em
atraso, às dificuldades de promoção na carreira, ao exercício de funções de
categoria superior àquela em que se encontram providos, e ao desempenho de
tarefas administrativas em detrimento da sua formação técnica, há de tudo um
pouco. Sem falar nas condições de trabalho desmotivadoras, na fraca modernização
dos equipamentos, na inexistente actualização profissional, e por aí adiante.
Embora muitas Assembleias Distritais, é verdade, sejam
órgãos inertes, de peso político nulo e diminuta representatividade no seio da
comunidade, caso o Governo que venha a resultar das próximas eleições
legislativas, marcadas para 20 de Fevereiro de 2005, pretenda acabar com elas,
é imprescindível, para não cometer os erros de 1991, não esquecer (como tem
acontecido desde então e até ao presente, por razões que ultrapassam qualquer
lógica racional) que estas estruturas autárquicas são mais do que meras
entidades impessoais – além do património, têm Serviços e PESSOAL, e algumas
desenvolvem actividades de méritos reconhecidos que importa preservar na prossecução
do interesse das populações dos respectivos distritos.
Resumindo,
para resolver o impasse em que se encontram as Assembleias Distritais há que
ter noção de quais são, efectivamente, as limitações que condicionam a apresentação
de resultados, porque só percebendo o que se passa é possível ultrapassar os
obstáculos e ir em frente. Pelas consequências materiais (recursos financeiros
escassos) e humanas (incentivos profissionais inexistentes) que lhes estão
associadas podemos, então, identificar três tipos de factores:
Legais – progressivo esvaziamento funcional das assembleias
distritais, nomeadamente a partir de 1987, e a manutenção de um regime jurídico
transitório e desfasado da situação real (Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de
Janeiro);
Económicos – dependência orçamental de uma
única fonte de receita (as transferências municipais), o que origina frequentes
problemas de liquidez de tesouraria quando as Câmaras não procedem ao pagamento
atempado das suas contribuições;
Políticos – dificuldades em reunir o órgão
deliberativo, devido ao crescente desinteresse dos autarcas pelo funcionamento
dos Serviços, em particular após a implementação do novo modelo de organização
territorial (Leis n.os 10 e 11/2003, de 13 de Maio).
Que se faça, pois, a “revolução”, assuma ela a
expressão defendida pelos adeptos da REGIONALIZAÇÃO, entre os quais a autora
deste estudo se inclui, ou que se fique pela forma mais simples da
DESCENTRALIZAÇÃO, que necessita de muitos e vastos acertos de pormenor, mas que
ela seja, efectivamente, “tranquila” e, sobretudo, que o próximo Governo
encontre uma forma rápida (mas não superficial), equilibrada e justa, de o
fazer... para que, mais uma vez, não sejam os trabalhadores das Assembleias
Distritais a (além de ignorados e esquecidos) suportar os custos da
incongruência legislativa.»
Fonte: Descentralização
Administrativa. O paradigma da divisão do território. O que fazer com o
Distrito, de Ermelinda Toscano, Lisboa, 2004.
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