quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Da tradição à revolução: que fazer com o Distrito? Parte 5.

Ilha da Madeira, 2015. Fotografia de Ermelinda Toscano.

«No início do seu segundo mandato como Presidente da República, Jorge Sampaio considerou-a imprescindível para o desenvolvimento da democracia. No XIII Congresso da ANMP, em 2002, os autarcas exigiram-na. A ANAFRE reclama-a. Com mais ou menos destaque, todos os partidos políticos a elegem como uma prioridade. Os programas dos sucessivos Governos classificam-na como fundamental. É ela a DESCENTRALIZAÇÃO! O rosto de uma profunda mudança no desenho dos limites geográfico internos do país, que uns dizem ser o bastante, e outros clamam que deve ir até à autonomia prevista na Constituição com a criação das regiões administrativas.

Com tanta gente a dar-lhe importância, esperava-se que a reforma territorial da nossa Administração Pública fosse, finalmente, implementada... sem tabus e de uma forma estruturada. Mas a “revolução tranquila” prometida pelo XV Governo ficou muito aquém das promessas eleitoralistas do PSD. As medidas descentralizadoras consubstanciadas, nomeadamente, nas Leis 10 e 11/2003, de 13 de Maio, mais do que unir (como pomposamente se apregoava em oposição às consequências da regio­nalização), têm dividido os autarcas, e esqueceram que, enquanto o Distrito se mantiver como divisão administrativa, há que incluir a questão das Assembleias Distritais na agenda política, e ter a coragem de assumir uma posição concreta, e urgente, sobre o seu enquadramento futuro.

Porque estas entidades existem! E mesmo que alguns autarcas as classifiquem como “órgãos inúteis”, o certo é que são várias as que desenvolvem actividades de méritos reconhecidos, em particular na área sócio-cultural, como sejam:
As Colónias Balneares (na Areia Branca e na Nazaré), das Assembleias Distritais de Castelo Branco e de Santarém; o Museu Rainha D. Leonor (da Assembleia Distrital de Beja); o Museu Regional do Algarve (da Assembleia Distrital de Faro); o Museu de Arqueologia e Etnografia (da Assembleia Distrital de Setúbal), os Serviços de Cultura (Biblioteca Pública, Sector Editorial e Núcleo de Investigação Arqueológica) da Assembleia Distrital de Lisboa.

O “novo modelo de governação” prometido pelo XV Governo e, julga-se, continuado pelo fátuo XVI Governo, em termos de administração territorial, assente em reformas que tinham a descentralização como “pano de fundo”, ficou-se apenas por decisões legislativas ao nível:
a) do reforço das atribuições e competências das Associações de Municípios;
b) da criação de novas Áreas Metropolitanas;
c) da transferência de parte das competências dos Governos Civis para o plano municipal.

Medidas estas que, além de contribuírem para desfragmentar ainda mais o já de si pouco ordenado recorte geográfico da nossa administração pública (desde os órgãos desconcentrados do Estado que adoptam áreas de intervenção diversificadas, aos distritos, concelhos e freguesias, ou às unidades para fins estatísticos – as NUTS, existem dezenas de divisões administrativas do país que se sobre­põem, mostrando um país confuso, completamente desorganizado em termos do seu figurino territo­rial interno) denunciam uma despreocupação total pelos interesses reais das populações na medida em que o carácter avulso, não coordenado, sem visão de conjunto e não integrativo de soluções anteriores, acaba por ter custos económicos, além de sociais e culturais, que serão os contribuintes a suportar.

Evidente se torna, também, a falta de vontade política de todos os partidos com assento parlamentar, em extinguir, efectivamente, a controversa figura do Distrito, mesmo daqueles que se dizem acérrimos defensores dessa opção, na medida em que evitam passar à prática as suas “teorias de gabinete”, não fossem elas acabar por ser aprovadas, o que seria muito inconveniente sobretudo enquanto se mantiver a actual lei eleitoral, cuja base de organização é distrital.

E ao omitirem o caso das Assembleias Distritais na discussão das matérias referentes à descentralização, agindo como se elas já tivessem sido extintas, demonstram uma total falta de carácter, por isso, enquanto o Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de Janeiro se mantiver em vigor, e o texto constitucional não for alterado, o mínimo que se exige ao Governo e aos edis municipais, tal como o Estado exige aos cidadãos em geral, é o cumprimento da legislação, e o respeito pelos trabalhadores afectos aos Serviços que estão adstritos àquelas entidades.

Aliás, a difícil situação em que se encontram a maioria das Assembleias Distritais:
a) ineficácia orgânica e funcional (devido à inexistência de um órgão executivo e por o deliberativo não conseguir reunir por falta de quorum);
b) crónica insuficiência de recursos financeiros (que impede o regular funcionamento dos Serviços);
c) dependência orçamental de uma única fonte de receitas (as transferências municipais), apesar do artigo 9.º do diploma acima citado prever múltiplas formas de financiamento;
d) frequentes problemas de liquidez de tesouraria (devido ao não pagamento atempado das contribuições provenientes dos municípios);
e) impossibilidade de programar actividades a médio prazo e implementar projectos que impliquem investimento directo (porque as dotações orçamentais não passam de meros exercícios virtuais de expressão contabilística incerta);
f) existência de património imobiliário devoluto e degradado (por incapacidade para efectuar obras de recuperação);
g) espólio museológico a degradar-se (por ausência das indispensáveis condições de manutenção),
é, apenas, o reflexo do ostracismo a que os políticos (de todos os partidos) – sejam deputados, governantes ou autarcas –, têm condenado estas entidades, em particular a partir de 1991.

Infelizmente, as consequências do incumprimento resultante do facto de, salvo raras e honrosas excepções, as Câmaras Municipais não assumirem as obrigações financeiras que decorrem das responsabilidades que lhes cabem no âmbito do artigo 14.º do referido decreto – comportamento este que em nada prestigia o Poder Local – recaem sobre os funcionários, a quem cabe a ingrata tarefa de apresentar soluções passíveis de remediar os problemas diários, sujeitando-se à permanente humilhação de “esmolar” a entrega daquelas contribuições. Como “prémio” pelo esforço e empenho, vêem os seus mais elementares direitos serem, constantemente, atropelados: desde salários em atraso, às dificuldades de promoção na carreira, ao exercício de funções de categoria superior àquela em que se encontram providos, e ao desempenho de tarefas administrativas em detrimento da sua formação técnica, há de tudo um pouco. Sem falar nas condições de trabalho desmotivadoras, na fraca modernização dos equipamentos, na inexistente actualização profissional, e por aí adiante.

Embora muitas Assembleias Distritais, é verdade, sejam órgãos inertes, de peso político nulo e diminuta representatividade no seio da comunidade, caso o Governo que venha a resultar das próximas eleições legislativas, marcadas para 20 de Fevereiro de 2005, pretenda acabar com elas, é imprescindível, para não cometer os erros de 1991, não esquecer (como tem acontecido desde então e até ao presente, por razões que ultrapassam qualquer lógica racional) que estas estruturas autárquicas são mais do que meras entidades impessoais – além do património, têm Serviços e PESSOAL, e algumas desenvolvem actividades de méritos reconhecidos que importa preservar na prossecução do interesse das populações dos respectivos distritos.

Resumindo, para resolver o impasse em que se encontram as Assembleias Distritais há que ter noção de quais são, efectivamente, as limitações que condicionam a apresentação de resultados, porque só percebendo o que se passa é possível ultrapassar os obstáculos e ir em frente. Pelas consequências materiais (recursos financeiros escassos) e humanas (incentivos profissionais inexistentes) que lhes estão associadas podemos, então, identificar três tipos de factores:
Legais – progressivo esvaziamento funcional das assembleias distritais, nomeadamente a partir de 1987, e a manutenção de um regime jurídico transitório e desfasado da situação real (Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de Janeiro);
Económicos – dependência orçamental de uma única fonte de receita (as transferências municipais), o que origina frequentes problemas de liquidez de tesouraria quando as Câmaras não procedem ao pagamento atempado das suas contribuições;
Políticos – dificuldades em reunir o órgão deliberativo, devido ao crescente desinteresse dos autarcas pelo funcionamento dos Serviços, em particular após a implementação do novo modelo de organização territorial (Leis n.os 10 e 11/2003, de 13 de Maio).

Que se faça, pois, a “revolução”, assuma ela a expressão defendida pelos adeptos da REGIONALIZAÇÃO, entre os quais a autora deste estudo se inclui, ou que se fique pela forma mais simples da DESCENTRALIZAÇÃO, que necessita de muitos e vastos acertos de pormenor, mas que ela seja, efectivamente, “tranquila” e, sobretudo, que o próximo Governo encontre uma forma rápida (mas não superficial), equilibrada e justa, de o fazer... para que, mais uma vez, não sejam os trabalhadores das Assembleias Distritais a (além de ignorados e esquecidos) suportar os custos da incongruência legislativa.»



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